Na semana passada fui à swazilandia. Durante o regresso e já em Moçambique pedi ao Afonso para abrandar para eu tirar uma foto ao pôr-do-sol sobre a savana. Qual o nosso espanto quando uns putos que caminhavam pela berma (deviam estar a regressar da escola ou assim) param uns segundos a olhar para o carro a abrandar e a encostar à berma e de seguida disparam a correr em todas as direcções para o mato, desaparecendo rapidamente no capim… Uouuu… embora estes putos já tenham nascido em tempo de paz (deviam ter no máximo 10 anos) o instinto disse-lhes para fugirem… incrível… ficamos sem palavras.
Viver em África é uma lição de vida para quem como eu cresceu na Europa cheia de regras, moralismo barato e egoísmo inato. Durante toda a nossa educação somos protegidos da vida, cheios com regras de conduta, “moral”, “boas maneiras” que como são impostas e não adoptadas naturalmente têm um resultado artificial.
Esta super protecção leva infelizmente a que as pessoas cada vez vivam menos e assim é perfeitamente normal chegar-se ao fim de um curso universitário, com 25 anos, sem saber nada de jeito sobre a vida… sabe-se jogar um monte de jogos de computador, sabe-se absolutamente tudo sobre um outro jogo que consiste em correr com uma bola e fazer com que ela entre num local defendido por um adversário, sabe-se em que lojas e em que locais é melhor comprar determinados produtos, sabemos tudo sobre complicadas teias da vida de personagens de ficção e não conhecemos sequer o nome dos nossos vizinhos, não nos interessamos pelos pontos de vista de tantas outras culturas tão diferentes da nossa e com as quais podemos aprender coisas interessantes e úteis, não fazemos ideia de como vive grande percentagem dos irmãos humanos com quem partilhamos este planeta cada vez menos azul, não fazemos ideia que o nosso estilo de vida é absolutamente insustentável e que se todo o mundo vivesse como nós, seriam precisos os recursos de uns dez planetas, etc. As relações com colegas e amigos, muitas vezes apenas abordam assuntos superficiais ou então servem para comparar factores indicadores de sucesso (para o qual toda a sociedade tanto nos pressiona). E até estes indicadores estão corrompidos… sucesso é ter um telemóvel topo de gama, enfiar durante 15 dias por ano a cabeça na areia num resort “paradisíaco” de preferência noutro continente sem querer saber dos fantásticos locais que temos no nosso país, é andar de BMW e poupar no dentista. Não sabemos bem o que é a vida. Vivemos empolados pela magnificência da nossa tecnologia mas já não sabemos curtir um céu estrelado que nos faz sentir tão pequenos e insignificantes. Vivemos a olhar para o nosso umbigo… somos tão parolos… safa, apesar de já termos estragado parte de África, temos tanto a aprender com ela…
E não julguem que estou armado em carapau… o que descrevo, descobri pelo facto de ter saído. Estou-nos a ver de fora. Estou-nos a ver de um continente que na sua maioria vive com dignidade e alegria na pobreza. Estou-nos a ver de um local onde nada é mais importante que a família, a comunidade (amigos). Alguém na família que esteja melhor que os restantes divide a sua riqueza com todos. Estou num local onde a experiência de vida dos idosos é a sua maior riqueza e não o património imobiliário. Estou num local que é tido pelos países “civilizados” como atrasado, subdesenvolvido e no entanto, a nível comunitário, todas as decisões são tomadas por homens e mulheres em conjunto devido a ser sabido que têm diferentes pontos de vista. Num local onde uma criança de 15 anos já tem a postura e raciocínio de adulto. É verdade… não é só a minha opinião, mas sim a opinião generalizada de quem conheça a realidade europeia e esteja agora a morar em África.
Vejo a nossa cultura de um local que apesar de ter sido brutalmente explorado e sofrido nos últimos séculos barbaridades indizíveis pelas quais somos os principais responsáveis continua a tolerar a presença dos europeus e a ser na generalidade amigável.
Vejo a nossa cultura de um local onde crianças entre os 6 e os 18 anos, a viver numa daquelas casa para crianças que comeram o pão que o diabo amassou se reúnem uma vez por semana, sozinhas e por sua livre e espontânea iniciativa de modo a discutir e resolver os problemas e o dia a dia da sua pequena comunidade… impressionante!
Fizemos tudo errado… por que diabo julgamos que tínhamos o direito de chegar a um continente, sugar os seus recursos e riquezas e escravizar as suas gentes? Porquê “civilizámos” à força e sem qualquer respeito pela cultura local as gentes de África só porque se encontravam num estado de desenvolvimento bélico mais atrasado? Sim, porque se pudessem, teriam certamente dado luta… Porque não aproveitamos para aprender, trocar ideias e enriquecer ambas as culturas?
É fácil pensar que os pretos são burros, ou que os azuis são tarados ou que os vermelhos são cínicos, que os brancos são ambiciosos e egoístas, etc. Nós temos o raciocínio lógico mais desenvolvido, eles, a intuição, a sensibilidade, a inteligência emocional. Por vezes os africanos têm dificuldade em nos acompanhar em raciocínios que para a nossa cultura são naturais, desde sempre que somos estimulados para a lógica. Mas e nós? O que sabemos nós da cultura deles? NADA! Nós é que devemos parecer completamente BURROS. Escolhi a palavra “parecer” de propósito. Porque numa generalização como esta que estou a fazer, não há lugar para burros ou inteligentes, o que há são culturas diferentes. É obvio que há pessoas mais ou menos inteligentes em todo o lado. Acredito sim que certas etnias têm maior predisposição para determinadas áreas, isto claro, generalizando. Os africanos têm, por exemplo uma noção de ritmo invejável, são bons em relações humanas, são hábeis, têm uma capacidade de adaptação bombástica, os asiáticos têm boa capacidade de raciocínio analítico e são minuciosos, etc. etc. etc. Nós confiamos na lógica, no analítico. A ciência é o nosso Graal. Eles na intuição, sensibilidade. Quem está certo? Quem está errado? Ninguém. Será isso tão difícil de compreender aos chamados racistas que não faltam em todas as diferentes etnias (sim etnias, porque raça há só uma: humana)?
Reforço que nestas últimas linhas estou a fazer algo que não gosto muito. Generalizar. Claro que há excepções e se calhar não são poucas, mas eu estou a falar da generalidade.
Nas minhas primeiras vindas a África vinha com um cocktail de preconceitos impostos pela comunicação social que nas últimas décadas só nos faz chegar mensagens de desgraça e miséria. Fiquei espantado… há ar e não é tóxico! Continuo a andar e vou confirmando as minhas restantes suspeitas… há solo, firme e fértil. Há água, há sol, há crianças alegres (aliás, vê-se mais alegria pelas ruas de África, do que pelas ruas da Europa – facto!), há tudo! Ainda por cima, o clima parece mais agradável que o gélido norte da Europa. Então por que raio de razão África de encontra neste estado? Rapidamente chego à brilhante conclusão de que África sofreu e sofre ainda por causa do modo como foi explorada, mal colonizada e pior descolonizada pelos nossos antepassados. Brilhante… ou então não. Porque é que fomos nós a colonizar África e não o contrário? Pois é… África sempre teve um estado de desenvolvimento económico inferior à Europa... porquê?
A continuar…